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Ophélia

Livros. Filmes. Música. Poemas.

Ophélia

Livros. Filmes. Música. Poemas.


Publicado por Patrícia Caneira

29.04.20

Depois do sucesso da série documental Unorthodox, sobre a qual escrevi aqui, fui quase empurrada para Kalifat, uma série original da Netflix de oito episódios que retrata em três frentes: Pervin, uma mãe desesperada por desertar da Síria, Sulle, uma jovem que se deixa fascinar e sonha partir para o Estado Islâmico e Fatima, uma polícia que luta por impedir o próximo atentado, cujo alvo é a Suécia. 

Caliphate_Kalifat_Gizem_Erdogan_Aliette_Opheim©Jo

Esta é uma série sobre o fanatismo religioso mas não é apenas isso. Kalifat é um policial delicioso que me deixou presa ao ecrã, em parte porque as três frentes da história encaixam na perfeição mas também pela forma explícita como nos é explicada a doutrina do ISIS. Não é uma série extretamente gráfica, a violência é-nos apresentada em pontos chave do episódio, não se tornando a regra mas sim a exceção. No entanto, esta é uma série dura, que nos deixa a ponderar o que faríamos se o radicalismo nos levasse um dos nossos.

Os mártires, a morte e a violência em nome de Deus e da religião assustam quem não lida com isto diariamente. É arrepiante imaginar que há quem viva com bombas a explodir diariamente à sua porta, que há quem deixe tudo em prol daquilo em que acredita ser a sua missão, que as mulheres dormem na mesma cama com homens que planeiam ataques terroristas. É arrepiante imaginar. Mas não é ficção. Mais uma vez, a Netflix consegue sabiamente mostrar-nos vidas que julgamos muito longes e distintas da nossa mas que afinal estão ali ao lado. 

Não é novo o tema do Estado Islâmico no pequeno ecrã, mas Kalifat ganha pela intensidade e por mais do que uma história generalizada nos apresentar vidas, todas elas diferentes e todas elas ligadas a este mundo, desde quem nele entra em busca de oportunidades falsas, a quem dele quer fugir a todo o custo. 

Há duas lições que se tiram de Kalifat: a primeira é que é imperativo que chegue uma segunda temporada e a segunda é que em todas as histórias, principalmente nas da vida real, é urgente que haja quem esteja disposto a lutar até ao fim para acabar com os extremismos.

E vocês, já viram a série? O que acharam? 

Kalifat
8 episódios 
Netflix 
★★★★☆


Publicado por Patrícia Caneira

26.04.20

A quarentena não me deu só para cozinhar mais ou repetir a minha série favorita, relembrou-me do mundo incrível que é o Spotify e das coisas boas que lá se podem encontrar. Foi assim que cheguei aos Lewis Del Mar. 

Confesso que o nome não me encantou, não tem grande pinta e chega até a ser foleiro. Mas as referências piscaram-me o olho, já que a banda se encontrava encostadinha a Rainbow Kitten Surprise e isso já era indicador mais que bom. Lá me aventurei pelo meio do mês de março a ouvir estes dois miúdos de Nova Iorque que ainda só têm um EP lançado em 2016 e um albúm de estreia com o nome da banda que saiu do forno no mesmo ano. 

É certo que o material não é muito e que há quatro anos que Danny Miller e Max Harwood não nos presenteiam com nada novo mas se precisam de banda sonora para estes dias de isolamento social, acho que não perdem nada em ouvir os americanos.

We drove to the coast and
Laughed for a century
You sunk your feet
In the empty beach
And took off all your clothes
Said "I'm never going home now
Who's gonna tell me no"

Deixo-vos com a minha favorita, na esperança que se aventurem a mergulhar no álbum todo e que daqui a uns dias isto também não vos saia do ouvido.


Publicado por Patrícia Caneira

22.04.20

Esta semana cheguei à conclusão de que tenho mais livros do que tempo para ler. Como já aqui disse, comprometi-me a ler 12 livros este ano, um por mês. Mas não imaginava que a quantidade de trabalhos que o mestrado me está a oferecer, me permitisse ler apenas dissertações e artigos científicos. De qualquer forma (e para não me esquecer das coisas a que me proponho), deixo aqui quatro dos livros que quero ler ou reler este ano. Já estão todos na mesa de cabeceira, agora só me falta tempo para me fazer ao caminho.

  • A Mulher que Correu Atrás do Vento de João Tordo

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Nunca li João Tordo mas as críticas que fui encontrando pelo mundo dos blogs despertou-me a curiosidade. A Mulher que Correu Atrás do Vento conta a história de quatro mulheres em diferentes décadas e lugares do mundo, unidas pelo amor, os sonhos e as circunstâncias da vida. Confesso que não sou adepta de livros grandes e que estas 504 páginas me assustam um pouco, mas este livro já consta da lista desde o ano passado e agora que chegou na forma de presente de aniversário não podia deixar de o incluir.

 

  • À Espera no Centeio de J. D. Salinger 

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Este é um caso curioso, está na minha estante há mais de sete anos mas por alguma razão nunca o li. Sei que algures pelos meus 18 anos o comecei a ler mas não passei das cinco páginas. Em conversa com um amigo que pegou nele recentemente, lembrei-me que o tenho ali intacto e que ele merece uma tentativa da minha parte. A obra é narrada por Holden Caulfield, o anti-herói da história que através da descrição dos seus problemas e angústias se tornou numa figura importante do inconformismo. Publicado em 1951, este é um livro que me voltou a piscar o olho só por ter lido a primeira página. Acho até que será o escolhido para o próximo mês. 

 

  • Como Morrem as Democracias de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt

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Em tempos de isolamento social, as melhores coisas deixam-se à porta e foi assim que na semana passada me chegou cá a casa o Como Morrem as Democracias. Quem me conhece sabe que sou fã assumida de ficção e que é raro o livro que me faz fugir do registo mas confesso que o que ouvi sobre este me despertou a atenção. Assumindo-se como um guia para resgatar as democracias de todo o mundo, a obra retrata a ascensão de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos da América ao mesmo tempo que relata a queda de outras democracias pelo mundo fora. Não sei se foi a cadeira de Ética e Deontologia do Jornalismo que me fez querer pegar nele mas sei que a vontade de saber o que ali vem tem sido constante, ao ponto de querer começar a lê-lo ao mesmo tempo que estou presa a Mario Vargas Llosa. E eu nunca li dois livros ao mesmo tempo.

 

  • Até ao Amanhecer de Michael Greenberg

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Este não é um livro recente, foi editado em 2009 e por esta altura já se encontra a preços bastante acessíveis pelo que se ficarem curiosos é uma bela altura para o adquirirem. Lembro-me do dia em que os meus pais o ofereceram, celebrava-se o Dia da Criança e eu já adolescente (que ainda recebia presentes) vibrava com a chegada de novas páginas cá a casa. Li-o todo mas, acho que culpa da idade ou das circunstâncias, não o entendi como ele pedia. E é por isso que Até ao Amanhecer é um livro que quero reler este ano. A obra conta a história de Michael Greenberg que se confronta com a doença bipolar da filha adolescente. É um relato apaixonante, duro e por vezes até desconfortável sobre o mundo da loucura, sobre as diversas doenças mentais e como doentes e familiares lidam com elas. Mais de uma década depois, continua a ser um livro atual e necessário, mais não seja para que cada um de nós possa comprender mais um bocadinho e quem sabe criar empatia para com as doenças invisíveis, aquelas que ninguém vê mas que matam. 

E vocês, já leram algum destes livros? O que acharam? Fiz boas escolhas? 

 

 

 


Publicado por Patrícia Caneira

19.04.20

Unorthodox é a nova série documental da Netflix. Mas Unorthodox é muito mais do que apenas isso, é uma estalada de realidade que nos deixa com um nó na garganta. Baseada na autobiografia de Deborah Feldman, esta minisérie conta a história de Esty (brilhantemente interpretada por Shira Haas), uma rapariga que foge de Nova Iorque, onde vive numa comunidade judaica ultra-conservadora.

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Numa altura em que achamos que a nossa liberdade está restringida, apenas porque não podemos estar todos juntos, chega ao pequeno ecrã uma história que nos entra como um murro e nos abre os olhos para o que é realmente uma liberdade restringida. Em prol da religião, estas comunidades criam os homens para rezar e as mulheres para serem boas esposas e boas mães, nada mais que isso. 

Não existe acesso à televisão nem à internet. Tudo o que estas pessoas sabem se baseia na cultura e tradição onde nasceram e cresceram. Não aspiram ser nada mais do que aquilo que lhes disseram que deviam ser. 

Não vos conto mais nada, porque Unorthodox por si própria traz todas as explicações e o que fica por perceber dá-nos vontade de pesquisar mais. Lembro apenas que esta não é uma série ficcional, não é o retrato de uma realidade do passado. Isto é a vida real que não está assim tão distante de nós.

Confesso que não é fácil não julgar, ainda para mais quando eu nasci mulher e me abriram portas para ser o que quisesse. Mas há que saber olhar para a diferença do outro e aprender com ela. Mais não seja para aprender a não reclamar tanto, a agradecer a liberdade que me foi oferecida e a continuar a lutar pela opressão que ainda resiste. 

Mais do que um bom serão, Unorthodox é uma aula de história necessária e se estes tempos servem para alguma coisa, então que seja para aprender. 

Unorthodox 
4 episódios
Netflix
★★★★★
 



Publicado por Patrícia Caneira

15.04.20

Somos todos menos gente, 
atrás de quatro paredes,
escondidos atrás de muros. 
Somos todos menos gente, 
quando nos tiram o toque, o som e o calor. 
Quando as ruas já não cheiram a café, 
o largo já não tem pegadas
e os jardins já não são de todos. 
Somos todos menos gente, 
quando nos tiram a liberdade.
Ainda mais em Abril, 
quando os sonhos têm cravos vermelhos, 
as ruas estão cheias de palavras
e as mãos não sabem estar sem ser dadas.
Somos todos menos gente,
quando a gente se recolhe.
Mas é quando somos menos,
que se levanta o melhor de todos.
Se este Abril não tiver liberdade,

que venha Maio, Junho e Julho.
Que venham as luzes acesas nas noites quentes,
o som dos copos que brindam alegres.
Que venha o riso dos grupos de amigos,
que juntos e à frente dos muros,
se tornam novamente gente.
Somos todos menos gente agora,

mas seremos mais e melhores no depois.

Patrícia Caneira



Publicado por Patrícia Caneira

12.04.20

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Confesso que a escolha deste livro foi completamente propositada, não fosse eu uma fã assumida desta série. Confesso também que me sinto uma adolescente no que toca a este assunto, desde a rapidez com que consumi os episódos à paixão platónica por um dos personagens (eu sei que quem conhece o Bellamy me compreende). Tudo isto foi razão suficiente para querer saber a história do papel que inspirou a história do pequeno ecrã. 

Fazia 23 anos e o Continente apresentava a incrível promoção de 50%. Não resisti. Agarrei no Os 100 e levei-o comigo no comboio para Lisboa. Em parte porque já não tinha nenhum livro na lista mas também porque tinha passado duas semanas das férias do semestre a devorar as seis temporadas (sim, seis, leram bem) e precisava de aconchegar o meu coração até à estreia da sétima temporada, que só chega em maio. 

Foi assim que comecei a obra de Kass Morgan. A história era o que eu já sabia: o mundo acabou e os humanos que sobreviveram passaram um século no espaço, onde as regras eram rigídas e todos os que as infringissem eram presos e condenados a morrer, mesmo os mais jovens, assim que fizessem 18 anos. Quando a nave que os acolhe deixa de ter oxigénio para todos, decidem enviar um grupo de 100 adolescentes reclusos para a terra, para testar se esta é habitável. 

Bellamy olhou de soslaio para o nascer do sol. Sempre acreditara que os poetas antigos exageravam ou, pelo menos, consumiam drogas muito melhores do que as que ele alguma vez experimentara. Mas tinham razão. Era uma loucura ver o céu passar de negro a cinzento e explodir em manchas de cor. Não lhe dava vontade de começar a cantar, mas também nunca fora do tipo artístico.

Enviados à sua sorte, surpreendentemente os 100 descobrem que é possível viver ali mas manter a ordem e implementar regras não é uma tarefa fácil. Este é o primeiro livro da saga, constituída por quatro livros no total. Para mim é difícil não fazer comparações, já que estou num ponto em que sei as falas da série de cor e salteado mas a maior diferença do livro são as personagens.

Cada capítulo é contado do ponto de vista de uma delas e ficamos a conhecer histórias de vida novas. Isso foi para mim o ponto forte desta obra, que não cumpriu as espetativas. No entanto, não posso afirmar que esta não é uma boa história, principalmente para quem nunca viu a adaptação televisiva. Em tempos de pandemia, ler sobre o fim do mundo tem a sua pontinha de interesse e se querem algo simples e de leitura fácil, este é o livro certo por onde começar. 

E vocês já viram a série ou leram os livros? Digam-me lá de vossa justiça!

Os 100
Kass Morgan 
288 páginas
★★★☆☆
 


Publicado por Patrícia Caneira

08.04.20

Milagre na Cela 7.jpgHá muito tempo que não me deitava tão tarde agarrada a um filme. E também confesso que há muito tempo que não chorava assim frente a uma televisão (e olhem que sou muito chorona). Mas o Milagre na Cela 7 chegou à Netflix para nos lembrar que o bom da arte é que nos fazer sentir coisas e foram tantas as que senti durante duas horas de filme.

Pena, raiva, tristeza, compaixão. O filme turco da Netflix lança para o pequeno ecrã a história de vida de Memo, um pai solteiro com deficiência cognitiva que vive com a filha Ova e a avó Fatma, durante a década de 1980. Após a morte acidental da filha de um comandante do exército, Memo é acusado de homícidio, preso e condenado a pena de morte. 

Este é um prato cheio para quem gosta de um bom drama, desde a violência prisional a que Memo é sujeito, à tristeza de uma criança que vê o pai ser descriminado e incompreendido. Milagre na Cela 7 é mais do que uma luta desmedida para provar a inocência de um bom homem, é mais do que perceber o que levava os homens à prisão, desde a busca por um sítio onde ficar no Inverno até ao suícidio. Este é também um filme que nos acerta como um murro no estômago no que toca a pensar sobre a pena de morte, que apenas em 2008 foi abulida na Turquia. 

A magia deste filme, que rapidamente se tornou num dos mais incrivéis que já vi, está na dinâmica do enrendo e na força dos atores que ocupam o ecrã, com destaque para Bulut Iynemli, no papel de Memo, de Nisa Sofiya Aksongur que interpreta a filha Ova e também de Ilker Aksum (que tomou conta do papel do meu personagem favorito), o representante da cela 7 que rapidamente se apercebeu da inocência de Memo e moveu mundos e fundos para que se apercebessem disso na prisão. 

São mais de duas horas de filme, mas quem disser que se apercebeu do tempo a passar está a mentir. Até porque estas serão duas horas que valem muito a pena. Mais do que uma história que nos grita que o amor vence tudo, que nos mostra que os laços entre um pai e uma filha podem ir até ao fim do mundo, esta também é uma lição de história, que nos relembra da importância da bondade e do perdão.

Aviso de amiga: tenham um pacote de lenços na mão, vai dar jeito até ao membro mais durão da família.

Milagre na Cela 7
Mehmet Ada Öztekin
Drama
2h12
★★★★★

 


Publicado por Patrícia Caneira

05.04.20

09C033F8-C2D2-4EFA-9AD5-E2B2A91045CA.JPGAi Afonso Reis Cabral, foi amor à primeira leitura. O nome já prometia, andava por aí um rumor de que este era um dos melhores escritores da atualidade. Bastou-me o "Pão de Açúcar" para confirmar que nem todos os rumores são falsos. Em 2006 um brutal assassinato corria o país de Norte a Sul. Os noticiários referiam que um grupo de miúdos, alguns com apenas 12 anos, tinham morto brutalmente Gisberta, uma mulher transsexual de 45 anos. 

O tema gerou reportagens, crónicas e artigos de opinião. Em 2018, gerou também "Pão de Açúcar" que valeu a Afonso Reis Cabral o Prémio José Saramago. Há muita coisa nesta obra que nos prende, não só a escrita deliciosa do autor como a forma crua com que os personagens são relatados. Por momentos é fácil esquecer que isto que lemos não é ficção, mas a dura realidade. 

É desumano pensar que um grupo de crianças pode matar uma pessoa, mas é extremamente cativante perceber quem eram estas crianças, como cresceram, o que lhes enche as medidas, o que aspiram ser, como encaram as relações humanas. É aqui que entra Afonso Reis Cabral, que se afasta do crime e de Gisberta para se aproximar das vidas destes miúdos, tornando esta história diferente de tudo o que havia ocupado as páginas dos jornais. 

A história é contada a partir das confissões de Rafa, um dos envolvidos, que descobriu Gisberta num edifício abandonado e viveu uns quantos dias entre a repulsa e a atração que sentia por aquela pessoa, que gostava dele, precisava dos cuidados dele, o olhava como gente e até lhe deixava bilhetes que elogiavam a sua bicicleta. Rafa alimentou Gisberta, ajudou-a a tornar a sua casa mais habitável e até a levava a ver a vista, mesmo quando a doença já havia tomado conta do seu corpo.

Mas Rafa também sabia que algo só se tornava real quando era partilhado, enquanto fosse um segredo só seu, Gisberta não existia. E foi assim que, ao contar aos amigos a existência dela, o final da história se tornou negro como a noite. 

Conheci-o num dia em que granito, asfalto e cimento assentavam na cidade como a primeira neve. Só no Porto tanto feio e tanto betão se parecem com uma coisa bonita, o que vale de pouco, já que o encanto acaba quando bate o sol. Pelo menos o sol não bate assim tantas vezes. 

Afonso Reis Cabral consultou a decisão do Tribunal de Família e Menores do Porto, conversou com testemunhas e percorreu as ruas que aqueles miúdos percorriam todos os dias, desde a Ofícina ao edifício do Pão de Açúcar. Esta não é uma história que vai surpreender ninguém, até porque é raro encontrar quem não tenha ouvido falar de Gisberta. O que torna esta obra numa das melhores que já li é veracidade da escrita, o tom certo com que se passa dos tormentos de miúdos que viviam à sua sorte, ao carinho que sentiam por uma mulher transexual, culminando no ato de espancar e atirar o corpo a um poço.

A magia de um bom livro está na necessidade de o devorar todo de uma vez. Se não sabem o que ler por estes dias de quarentena, esta é uma aposta certeira, até porque "Pão de Açúcar" tem dois ingredientes que tornam qualquer receita irresistível: pessoas e circunstâncias. 

Pão de Açúcar
Afonso Reis Cabral
264 páginas
★★★★☆


Publicado por Patrícia Caneira

04.04.20

4FB93BCA-088C-47F5-ADD4-199E3BBC7697.JPGAinda 2020 mal tinha começado e eu já estava agarrada ao primeiro livro do ano, escolhi começá-lo no avião, enquanto regressava da mágica viagem a Paris. Em noites de passeio pelo site da Wook surgiu-me algures "As Raparigas" de Emma Cline. Não foi certamente a capa que me encantou, já que a rapariga hippie em tons rosa não me faria roubá-lo de nenhuma estante, mas uma história que acontece no verão de 69 lá para os lados da Califórnia pescou-me o olho e o livro chegou-me como prenda de Natal. 

O ínicio foi fácil, Emma Cline não complica a leitura, muito menos nos exige uma concentração desmedida, mas aquilo que à primeira vista parecia ter todo o potencial do mundo, foi perdendo o interesse. Não sei se culpa da narrativa que não me prendia, se culpa de estar de regresso a casa já com saudades de ouvir falar francês. 

O que é certo é que o livro devia ter sido lido em janeiro e só o consegui terminar a muito custo lá para meio de fevereiro. E isto é uma vitória para mim que nunca conseguia terminar livros que não me encantassem. 

Evie é uma adolescente solitária que se confronta com o interesse pelo irmão mais velho da melhor amiga e o desinteressante quotidiano de uma verão quente. Ao passear pelo parque como já era habitual confronta-se com um grupo de raparigas distintas, que se vestiam de forma descuidada e não pareciam muito limpas. O interesse rapidamente passa a obcessão e Evie acaba por se juntar ao rancho, liderado pelo músico Russel.

Pobres raparigas. O mundo engorda-as com a promessa de amor. Com que desespero precisam dele e tão poucas são aquelas que alguma vez o terão. As canções pop que passam e repassam, os vestidos descritos nos catálogos com palavras como "pôr do sol" e "Paris". Depois, os sonhos são-lhes roubados com tanta violência; a mão a retorcer os botões dos jeans, ninguém a olhar para o homem que grita para a namorada no autocarro.

Desde o início da obra que sabemos que algo acontece no final, algo traumatizante que mudou para sempre a vida da personagem principal. Durante os capítulos é interessante vê-la descobrir os segredos do mundo, desde as drogas ao sexo e ao poder. A autora descreve de forma muito simples as complexidades e tormentos que enfrentavam as adolescentes dos anos 70, sem tornar a história vulgar.

Mas é o ritmo do livro que me incomodou. Passamos muitas páginas no rancho, nos encantos hippies e na espiral livre em que Evie se vai perdendo. Temos ainda a Evie adulta que luta contra os demónios do passado mais uma vez sozinha e depois temos um final que não choca, nem incomoda, mesmo estando carregado de crimes. 

É aqui que a obra perde a força, talvez por nos dar logo tudo e não guardar a reviravolta para o fim. Confesso que me soube a pouco e daí o quase aborrecimento que me impediu de o terminar a tempo e horas. No entanto, não é livro que se deite fora. Mas confirma-se porque não o roubaria de estante nenhuma.

As Raparigas 
Emma Cline
272 páginas
★★☆☆☆


Publicado por Patrícia Caneira

01.04.20

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Aos 12 anos, debaixo da árvore de Natal estava um embrulho que denunciava o presente. O livro trazia na capa tecidos antigos e colares de pérolas e o título escrito a negro "Mulherzinhas". Talvez na altura os meus interesses fugissem um pouco do que ali estava escrito mas com o passar dos anos, Louisa May Alcott tornou-se uma escritora incrível, que ali punha uma história incrível sobre o que é isto de ser mulher.

 
Este ano, o livro de 1868 transformou-se em sétima arte pela sétima vez e para os que estavam reticentes na fidelidade e cuidado da adaptação, Greta Gerwig conseguiu-o com mestria e o resultado está à vista. A academia nomeou "Mulherzinhas" para Melhor Filme, Melhor Atriz com Soarise Ronan, Melhor Atriz Secundária com Florence Pugh, para Melhor Guião Adaptado, Melhor Banda Sonora e ainda Melhor Guarda-Roupa.
 
O filme conta a vida das irmãs March, muito unidas e igualmente distintas entre si. Meg, interpretada por Emma Watson que se distinguiu no cinema na saga Harry Potter, é a irmã mais velha e equilibrada, Beth (Eliza Scalen) é a mais bondosa das quatro, Amy (Florence Pugh) a irmã mais nova, destacada pela sua beleza e espírito de bon vivant. Por fim, a figura central da história, a irreverente, revolucionária e sonhadora Jo, que Saoirse Ronan interpreta na perfeição. 
 
Não só a história é emocionante, como a realizadora Greta Gerwig conseguiu trazer ao grande ecrã os detalhes mais específicos da época, desde as paisagens, aos detalhes e ao guarda-roupa, tudo encaixa de forma fluída no romance que apaixonou jovens e adultos por todo o mundo. Contrariamente ao livro, que tem uma coerência temporal bem marcada, a sétima adaptação ao cinema traz saltos temporais, entre 1861 e 1868, que tornam a história mais ágil e interativa. 
 
Do elenco, fazem ainda parte Laura Dern no papel de mãe, Meryl Streep que interpreta de forma sarcástica e bem definida a tia rica e solteira da família, Bob Odenkirk, Timothée Chamalet e Louis Garrel. A evidência de que a história gira em torno de Jo e da sua necessidade de contrariar o que é expectável para as mulheres, nenhuma personagem secundária é esquecida, bem pelo contrário, todas as personalidades são bem preparadas e encaixam na medida certa com o decorrer do filme.
 
Numa altura em que o empoderamento feminino está nas bocas do mundo, ainda com um longo caminho a percorrer, ver esta luta tão presente num romance do século XIX é um dos mais bonitos presentes. Louisa May Alcott, a autora original do livro, inspirou a obra na sua própria história e outro dos momentos irresistíveis do filme são as cenas finais em que assistimos ao fabrico e impressão do próprio romance, que aqui aparece como se fosse de Jo. 
 
"Mulherzinhas" retrata a vida de muitas mulheres diferentes, mas o que aprendemos com a história é que todas temos um pouco de cada uma delas em nós, a paixão de Meg, a beleza de Amy, a bondade de Beth e sobretudo a independência de Jo. 
 
Mulherzinhas
Greta Gerwig
Baseado na obra de Louisa May Alcott
Drama/Romance
134 min
★★★★☆

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